terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A falácia do “medo do futuro”

 

Vejamos este trecho acerca do Acordo Ortográfico:

“Mas, atenção: o acordo é apenas uma reforma entre muitas que se fizeram no português e nas outras línguas vizinhas. Não é o bicho-papão que muitos querem fazer crer e, acima de tudo, não é uma imposição do Brasil a Portugal (a ortografia brasileira também muda: perde um acento, por exemplo — o trema).

Por isso, custa-me que as pessoas que são "do meu campo" (contra o acordo) caiam em exageros, como dizer que o acordo leva a "corte de raciocínio", que "ficámos aleijados", que leva a uma "descida do nosso nível cultural", que vamos ficar "deficientes linguísticos" (tudo incluído no artigo do Público de Maria Alzira Seixo). Tudo isto é um exagero, porque não ficamos mancos de raciocínio (profissionalmente, tenho de escrever de acordo com o AO e não sinto qualquer dificuldade acrescida de raciocínio), não ficamos deficientes linguísticos, não descemos o nosso nível cultural ao escrever de acordo com o Acordo.”


Agora vamos ver qual o argumento principal dos defensores belgas da eutanásia para as crianças, contra os que são contra essa lei: dizem os defensores da eutanásia que os que são contra ela incorrem na falácia do “medo do futuro”, porque alegadamente fazem cenários negros e exagerados acerca do impacto da liberalização da eutanásia na sociedade.

Imaginem agora o que pensaria um defensor da revolução sexual da década de 1960 se lesse uma notícia segundo a qual o lóbi político gayzista, em 2014, está a processar judicialmente a Igreja Anglicana para poder ter acesso a celebrações religiosas casamenteiras nas igrejas cristãs inglesas.

Ou seja, a falácia do “medo do futuro” é, em si mesma, uma falácia, porque a experiência demonstra-nos que quando violamos reiteradamente determinados princípios éticos dificilmente conseguimos prever até onde a nossa prevaricação nos pode levar — o libertarismo transforma-se no seu contrário, exigindo, a determinado ponto da expansão do libertarismo, a implantação de um totalitarismo para que uma pequena elite minoritária possa continuar a ser “libertária”.


O problema do Acordo Ortográfico é, em primeiro lugar, a quebra de determinados princípios. Por exemplo, o princípio da soberania do povo sobre a língua foi quebrado pelas elites. E sabemos por experiência que quando determinados princípios são quebrados sem qualquer oposição, as elites transformam a cultura em um capricho elitista.

Sem querer fazer uma comparação entre a eutanásia para crianças e o Acordo Ortográfico, faço apenas uma analogia. Não devemos permitir que as elites nos imponham discricionariamente a quebra de princípios vitais para a sociedade, e a soberania da língua é um desses princípios.

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