domingo, 9 de março de 2014

Cavaco Silva: “quem vier atrás que apague as luzes e feche a porta”

 

«O Presidente da República aponta o relançamento da economia como uma das questões prioritárias do pós-'troika' e diz ser essencial corrigir as "injustiças acumuladas" na distribuição de sacrifícios durante o período do programa de ajustamento.

"A disciplina orçamental e a supervisão da política económica por parte das instituições europeias irão ser uma constante da vida política portuguesa no período pós-'troika'. No entanto, tal não significa - antes pelo contrário - que a economia não possa crescer e que não melhorem as condições de vida dos Portugueses", diz o chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva, no prefácio dos "Roteiros VIII", divulgados esta noite no 'site' da Presidência da República.»

Em português correcto: se, com o Entroikamento vamos viver na merda e ainda perdemos a democracia real, então mais vale viver na merda sem o Entroikamento e com a democracia real. Viver na merda, por viver na merda, que seja com alguma dignidade.

Com uma taxa de juro de financiamento da dívida na casa dos 5%, para que fosse possível pagar a dívida e os juros acumulados, seria necessário que a macro-economia portuguesa crescesse, no mínimo, na ordem dos 3% por ano. Ora, estando Portugal na zona Euro, esta taxa de crescimento é impossível.

Uma “solução” para o problema o crescimento da economia, que é defendida pela Troika, é cilindrar os salários em Portugal, na esperança que Portugal possa competir, em uma lógica de salários baixos, com a Roménia, por exemplo, ou com Marrocos, ou com a Bulgária, etc.. Mas tanto a Roménia como Marrocos estão fora do Euro. Ou seja, o que a Troika pretende é que Portugal, estando no Euro e não podendo ter uma política monetária, entre em competição com economias de baixos salários que não estão no Euro e que, por isso, podem ter uma política monetária. Nestas condições (dentro do Euro), é claro que Portugal não tem a mínima hipótese de competir com essas economias. Nenhuma. E Cavaco Silva sabe disso. Vamos chamar a esta solução da Troika de “Entroikamento”.

Portanto, a posição actual de Portugal é de “loose-loose” (perdido por ter cão, e perdido por não ter): em qualquer situação que se apresente, Portugal fica a perder — com a agravante de Portugal não ter um mercado interno da dimensão de Espanha ou Itália. A dimensão de um mercado interno de um país tem um efeito psicológico (pelo menos) nas decisões de investimento.

O que se quer dizer é o seguinte: para que Portugal possa pagar a dívida, e estando no Euro, a política fiscal actual de impostos altos terá que ser aplicada durante décadas, por um lado, e, por outro lado, o salário médio nacional terá que baixar para um nível mais perto do salário mínimo — o que, na prática, para além de eliminar a classe média, seria uma forma (invertida) de igualitarismo, na medida em que a bitola da remuneração do trabalho seria o salário mínimo nacional.

Isto significaria que o nível de vida real e médio dos portugueses teria que ser mais baixo do que o nível de vida real e médio de países como a Roménia que não tenham aderido ao Euro — até porque a legislação laboral na Roménia ou em outros países da Europa de Leste é muito mais garantista do que a lei laboral que Passos Coelho e a Troika se preparam para aplicar a Portugal.

Em suma: nesta situação, a única vantagem que Portugal tem em estar no Euro, é a garantia que os credores têm de que Portugal vai pagar a dívida (Portugal vai passar a viver exclusivamente da sua economia real, da mesma forma que aconteceria se saísse do Euro). A permanência de Portugal no Euro é uma vantagem para os credores, mas já não é uma vantagem para o povo português. Por isso é que o maçon Luís Montenegro, do Partido Social Democrata, diz que “o país está melhor, embora o povo não esteja melhor”.

Vamos analisar esta proposição: “Portugal vai passar a viver exclusivamente da sua economia real, da mesma forma que aconteceria se saísse do Euro”.

Com o Entroikamento, o crescimento da economia portuguesa é comprometido a longo prazo, em troca de uma garantia do pagamento da dívida aos credores (através de uma extensão, num prazo de vinte anos, de um política de impostos altos e de salários baixos). Como foi predito e previsto por Pinto Balsemão, a população portuguesa vai baixar drasticamente em vinte anos, e a taxa de envelhecimento da população portuguesa vai superar qualquer outro país da Europa. Portanto, o que está hoje em causa é a própria existência de uma nação e de um país, em nome da defesa do pagamento da dívida aos credores segundo um critério leonino imposto pelos ditos credores.

O facto de Portugal estar no Euro não foi nunca um factor positivo na dinâmica de investimento estrangeiro: pelo contrário, o balanço de 13 anos de Euro, para Portugal, é negativo.

O Entroikamento exige que Portugal viva exclusivamente da sua economia real — e por isso é que Belmiro de Azevedo vem dizer que Portugal tem que viver segundo a sua produtividade. A expectativa de adesão ao Euro, que pressupunha um investimento produtivo dos países mais ricos da zona Euro em Portugal, saiu pela culatra: a Alemanha, por exemplo, prefere investir na Roménia do que em Portugal. O facto de Portugal estar no Euro não foi nunca um factor positivo na dinâmica de investimento estrangeiro: pelo contrário, o balanço de 13 anos de Euro, para Portugal, é negativo.

Ora, se Portugal vai ter que viver exclusivamente da sua economia real e estando no Euro, mais vale arriscar uma saída do Euro mesmo sabendo que essa saída implica também que passemos a viver exclusivamente da nossa economia real. Ou seja, devemos transformar uma lógica de “loose-loose” em uma lógica de “win-win” — como dizia o Tiririca: “pior do que está, não fica”.

A exigência de um défice público ZERO e de Entroikamento significa que Portugal, por um lado, vai ter que viver exclusivamente da sua economia real; mas, por outro lado, e estando Portugal no Euro, significa que o financiamento de Portugal no “mercado” de capitais a taxas de juro de 5% serve apenas para garantir o pagamento da dívida, e dos juros da dívida, aos credores.

Em uma situação de exigência absoluta de défice ZERO, tanto faz um país estar no Euro como não estar: a diferença está no nível de dívida: um país menos endividado (estando, ou não, no Euro) pode aceder aos mercados financeiros para investimento real nas infra-estruturas nacionais de apoio à economia e se assim o entender, ao passo que um país endividado terá muito mais dificuldades em aceder ao “mercados”. Estando no Euro, e em uma situação de Entroikamento, Portugal apenas tem acesso aos mercados a juros de 5% para financiar o pagamento da dívida.

Das duas uma: ou Portugal rompe com a lógica do Entroikamento, ou haverá que instituir em Portugal uma ditadura do tipo da América Latina da década de 1960 — porque o Entroikamento, que sacrifica o crescimento da economia e privilegia o pagamento da dívida a juros altos, não é compatível com a democracia real (poderá haver um simulacro de democracia em lugar da democracia real). O Entroikamento tende a tornar a cidadania em um conceito abstracto, e não há outra forma de o impôr a Portugal durante décadas senão através de uma ditadura.

Em português correcto: se, com o Entroikamento vamos viver na merda e ainda perdemos a democracia, então mais vale viver na merda sem o Entroikamento mas com a democracia. Viver na merda, por viver na merda, que seja com alguma dignidade.

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