segunda-feira, 28 de abril de 2014

O formalismo e a objectividade da ética de Kant

 

Vejo aqui uma pergunta e uma resposta. A pergunta é a seguinte:

“Tendo em conta que, para Kant, o valor moral da acção não depende das suas consequências, ¿será correcto afirmar que para ele uma acção é boa ou má em si mesma?”

A resposta dada a esta pergunta labora em um equívoco comummente aceite: o de que Kant baseou a sua ética na intencionalidade, quando se escreve:

“O valor moral da acção pode, por exemplo, depender da intenção com que é realizada. Ora, é precisamente isso que pensa Kant.”

Para Kant, o conteúdo da lei moral exclui qualquer móbil empírico e toda a referência à felicidade — e vem daí a ideia comummente aceite (e até referida em alguns manuais de filosofia) segundo a qual “para Kant, o valor moral da acção não depende das suas consequências”, proposição esta última que também não é formulada da forma mais correcta.

kant-st-webPara Kant, é a forma da lei (moral), e não o seu conteúdo (empírico) que a torna universal — o que não significa exactamente que “o valor moral da acção não depende das suas consequências”, porque, se assim fosse, o valor moral da acção não se poderia tornar universal (porque, em um valor ético universal,  é suposto que exista um juízo universal em relação às consequências da acção).

Quando uma lei moral se torna universal, as consequências da acção realizada sob essa lei moral são sempre tidas em conta. Ou, por outras palavras, se a forma da lei a torna universal, segue-se que as consequências da acção, de acordo com a lei moral, são sempre tidas em conta.

Uma coisa é dizer que, segundo Kant, “o valor moral da acção não depende das suas consequências”; e outra coisa, diferente, é dizer que “a ética de Kant não se caracteriza por um consequencialismo utilitarista”.

Esta segunda proposição significa que a ética de Kant não é teleológica (ou seja, que se preocupa mais com os fins a atingir do que com os meios a utilizar, como acontece com a ética utilitarista) e que, por isso, é uma ética ontológica (ou seja, que privilegia os meios a utilizar em detrimento dos fins a atingir); mas isto não significa que todas as éticas consequencialistas sejam necessariamente utilitaristas: há éticas ontológicas que são consequencialistas, como por exemplo, a ética cristã.

E na medida em que a ética de Kant pretendeu ser uma ética cristã sem Deus, ela é uma ética ontológica que não ignora as consequências das acções mediante o imperativo categórico.

A ética de Kant não é uma ética de intencionalidade (como é, por exemplo, a ética de Pedro Abelardo, ou a ética subjectivista de Hume), mas antes é uma ética formalista e objectivista; e, por outro lado, embora não seja uma ética utilitarista, a ética de Kant não deixa de ser uma ética consequencialista (à semelhança da ética cristã).

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